21.11.07

Nossas Colchas de Retalhos

Uma perda irreparável nesta segunda-feira me fez chegar a uma nova definição sobre o que é a vida:

"Nossa vida nada mais é do que uma colcha de retalhos,
costurada a várias mãos, que nunca chega ao fim,
e que aquece muitos corações, mesmo depois
que o seu alfaiate, ou costureira, se foi."

Nessa colcha, há retalhos de todos os tipos, tamanhos, cores e qualidades... Na verdade, nunca sabemos quem será o próximo a pegar a linha e a agulha e recomeçar a cosê-la. Alguns desses retalhos são resistentes e bonitos, outros são vagabundos e sem graça, mas todos estão lá, contando parte da história daquela peça.
A costureira que foi chamada para assumir sua máquina de costura no Céu essa semana, aplicou um pedação de retalho na minha colcha, onde vê-se, principalmente, amor. Minha homenageada tinha tanto amor que dava para todos os seus filhos, netos, bisnetos, e ainda sobrava para quem quisesse. Para ela, comecei como o menino que ficava no muro, que chorava quando a mãe ia trabalhar, e terminei como o "doutor", sendo que essa última memória já não tinha mais porque o Alzheimer já não lhe permitia lembrar, assim como a minha vozinha de sangue, que há quase três anos "pegou um barco na beira do rio e, finalmente, encontrou o caminho da casa (do Pai)".
É muito estranho olhar para a nossa colcha e realizar que os responsáveis por alguns dos retalhos já não estão mais aqui, por mais que os sintamos ainda tão presentes. Às vezes, temos a impressão de vê-los ou até mesmo escutá-los. Quanto a isso, sei que a família dela, assim como eu, casualmente iremos nos pegar escutando a canção que nossa querida D. Durvalina murmurava sentada na sua cadeira cativa, mascando seu tabaquinho: Cinderela, de Adelino Moreira.


"Venha de onde vier, chegue de onde chegar
Aquele amor que sonhei virá que eu sei é só esperar
Venha de onde vier, chegue de onde chegar
Encontrará Cinderela de beijo mais puro de amor pra lhe dar
Cinderela, Cinderela, menina moça, coração a palpitar
Cinderela, eu sou Cinderela, e o meu príncipe encantado vai chegar"


Isso tudo me fez pensar sobre como tenho costurado meus retalhos por aí. Será que estou dando pontos fortes que vão levar anos para serem desfeitos ou só pontos frouxos? São os retalhos que tenho distribuído de boa qualidade ou do tipo que se esgarçarão na primeira oportunidade, dando um aspecto deselegante à colcha alheia? Em todo caso, o melhor a se fazer é adquirir um bom dedal, porque alguns desses falsos estilistas de plantão, independentemente do tipo de retalho que possuam, ao aplicá-lo, acabam nos ferindo se não estivermos bem protegidos. Bem, não sei... Só sei que, quando nos encontrarmos novamente com a pessoa batalhadora e tão querida que inspirou essa homenagem, talvez não haja um glamuroso tapete vermelho nos esperando, mas um alegre tapete de retalhos, super colorido, e um abraço bem apertado de boas-vindas no final dele, com toda certeza teremos.

Descanse em Paz, Cinderela!