6.6.07

Conto da Tartaruga


"Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é"

Cada um de nós tem uma essência que nos faz diferentes e únicos. Essa fórmula química que provém da união das essências materna e paterna ainda é um mistério para a ciência e, consequentemente, para a humanidade. Não é à toa que milhares de psicólogos nascem no mercado todos os anos no mundo inteiro. Pois bem, vamos partir desse ponto. Você sabe quem você realmente é ou só tem uma vaga noção? A resposta para essa questão nos é dada sempre que somos postos à prova, numa situação completamente inusitada. Você saberia dizer como reagiria em situações que você nunca enfrentou na vida? Os médicos já conhecem, e você já ouviu falar da adrenalina, o hormônio que nos faz fugir ou lutar em situações de extremo estresse. O que eles ainda não disseram, nem têm como, é do que somos capazes de fazer quando esse hormônio toma as rédeas dos nossos atos. Bem, o que quero dizer com isso é que nem nós mesmos nos conhecemos. Não temos ao certo a composição completa da fórmula que nos torna esses seres humanos, às vezes desumanos, que somos. Mas não pare de ler aqui, pois isso não é tudo nem é exatamente onde queria chegar.
Mais sério do que não saber quem somos genuinamente é não nos conhecermos e ainda querermos mudar os outros. Não... não estou falando que você e eu somos assim o tempo todo, mas uma hora isso inevitavelmente acontece, mesmo que seja apenas em pensamento. Então, pare de pensar na vida alheia e pense comigo: Por que será que algumas pessoas tentam mudar as outras quando elas próprias precisam ser melhoradas? Por que algumas criaturas tentam mudar outras quando elas próprias não demonstram disponibilidade para mudanças? Será que estamos atrapalhando seu processo de auto-conhecimento ou algo parecido?
Isso tudo me faz lembrar de uma máxima que minha amiga Karina Gaya adotou, que inclusive consta no seu scrapbook, que é: "Por que a tartaruga vive cem anos? Sabe por que? Porque ela cuida da vida dela, então cuida... cuida da tua vida!" Como se fosse tão fácil quanto falar, não é? Então me pergunto se a vida dessas pessoas tem algo de especial ou se é tão sem sentido que as fazem procurar na vida alheia algo para se importarem, se preocuparem e se ocuparem.
Enfim, o meu conselho é o seguinte: Quando algum desses seres inconvenientes atravessar o seu caminho, pergunte se ele conhece o Batman, o Vingador ou até mesmo a Uni. Se não os conhecerem, peça que fale com eles primeiramente, e depois, se lembrar, conte o segredo da tartaruga.

Perdas Significativas

Ontem tive uma perda muito significativa, não comparável a que tive há quase dois anos. Mas essa perda foi importante pois me mostrou, de certa forma, que estava certo quando tomei a decisão de desistir do curso médico. Estava a tomar conta de uma plantinha que parecia um cactus, mas ela se foi. Se foi porque eu não soube cuidar dela. Não percebi ou não soube interpretar os sinais que ela me enviara. Foi, então, que me questionei como seria se ela fosse um ser humano. Sabendo que, se seguisse a carreira médica, seria geriatra, me pergunto: E se fosse um velhinho? Há quem diga que as pessoas mudam quando começam a tratar das mazelas alheias, que ficam mais frias, que deixam de ser emocionais e permitem que a razão se sobressaia em momentos assim. E foi exatamente isso que me fez largar aquele curso.
Diferentemente de minha avó, não vou ter a imagem da plantinha por muito tempo na minha memória, pois não esperava que ela se fosse tão rapidamente. Por que cargas d'água Christina Aguilera começa a cantar
"Hurt" exatamente agora no rádio? Talvez porque seja hora de falar da minha avó, ou melhor, vovó Didi, como a conhecíamos.
Vovó Didi era forte, muito forte... e teimosa. Teimosia essa que deve ter passado geneticamente para todos nós. Teve muitos filhos, criou a maioria, perdeu um ainda jovem, ganhou uma penca bem grande de netos, os quais levou na memória até o fim. Nos levou com ela, mas não como somos agora, mas como éramos quando crianças, porque o Alzheimer já não a permitia nos reconhecer, o que era, ao mesmo tempo, triste e engraçado. Triste porque queríamos chegar mais perto dela para um carinho que fosse e éramos severamente mandados "pra baixa da égua", pois não passávamos de estranhos na cabecinha dela. Mas acabava sendo engraçado quando ela dizia toda a lista de chamada dos netos para poder acertar o nosso nome, finalmente.
Uma curiosidade sobre os últimos anos dela é que, não importava onde estivesse, ela pedia para ir para a casa dela, que ficava atravessando o rio [Xingu], e que sempre havia um barqueiro à espera dela no cais para levá-la embora. E nessa casa, suas criancinhas a esperavam, era o que sempre repetia. Por isso, no dia 11 de dezembro de 2005, depois de ser acordado com a notícia de sua partida, mandei a seguinte mensagem para minha mãe, que estava lá, no leito de morte de sua mãe:
"Agora sei que o canoeiro que a levaria para casa era Deus e as criancinhas que a receberiam, anjos do céu. Ela chegou à casa que tanto falava."
Hoje, tenho bem nítida a imagem dela em mim, pois, como sabia que ela nos deixaria
mais cedo ou mais tarde, procurava ficar parado a olhar para ela, a registrar o máximo de seu semblante na minha mente, o que às vezes a incomodava, obviamente. Mas não terei o mesmo da minha plantinha, que era tão bonita, mas que morreu chorando...
Meses depois do seu falecimento, minha mãe me disse que, pouco antes de morrer, já sem poder levantar-se,
vovó chamou mamãe para deitar-se junto a ela, segurou sua mão e assim partiu.
E eu não tive a chance de despedir-me delas... Então, simbolicamente, faço isso agora:

"A benção, vozinha... Desculpe, plantinha... Vão com Deus!"